segunda-feira, 16 de junho de 2014

Toda Forma de Ator

    Ainda que no cinema a discussão de gênero seja bem mais aceita e explícita do que na televisão, ainda há alguns receios e preconceitos quando se trata do homossexualismo. Em 2014, dois filmes brasileiros, premiados e indicados  dentro fora do Brasil e bem elogiados pela crítica, têm como pano de fundo uma relação homossexual. Um deles é "Hoje eu Quero Voltar Sozinho", que perpassa as sensações de um adolescente deficiente visual e sua relação com o mundo. O segundo, o qual quero centrar essa discussão, chama-se "Praia do Futuro", e foi dirigido por Karim Ainouz.
   Esse filme gerou discussão e repercussão após algumas pessoas se retirarem das salas de cinema onde ele estava sendo exibido devido às cenas de sexo entre dois personagens homens. É claro que a a clareza e explicitação dessas cenas poderia incomodar e justificar essa atitude, ninguém é obrigado a ficar em um filme que não esteja gostando. Porém, o que se percebe nas declarações de quem abandonou a sessão é o incômodo que a relação entre gays causou no público.

  Praia do Futuro não é um filme sobre gays. É um filme sobre escolhas, sobre consequências. Na história, um salva vidas, vivido por Wagner Moura, conhece e se apaixona por um piloto de motocross alemão, depois de não ter conseguido salvar a vida de um amigo desse turista. Ele então abandona seu trabalho e família e muda-se para Berlim, onde vive por muitos anos, até se confrontar com seu amargurado irmão mais novo, que não o perdoa por ter partido.

     O filme tem um começo estranho, pois de certa forma a morte do segundo turista alemão passa um pouco rápida demais para dar lugar à construção da relação entre os protagonistas. O filme é centrado neles quase em sua totalidade e tem várias cenas com a câmera fechada, mostrando apenas os dois, os olhares e a cumplicidade deles.

   O que fica claro, porém, quando se termina de ver, é que o enredo não tem como principal atrativo mostrar uma relação homossexual. É um filme com uma profunda reflexão sobre encarar suas escolhas e conviver com consequências. Com cenas bem montadas e uma boa trilha sonora, é uma ótima pedida pra quem gosta de cinema. Por que houve, portanto, tanta polêmica??

   Há várias razões pra pessoas terem saído do cinema, algumas plausíveis e outras discutíveis. Pessoalmente, acho que a relação homossexual dos protagonistas é apenas parte. Há também a desconstrução do ator principal. Ora, Wagner Moura ficou famoso por viver um capitão do BOPE, o batalhão da polícia. Seu Capitão Nascimento era exemplo de decência e coragem e foi o personagem que consagrou o ator. Um novo filme em que ele vive um personagem com uma profissão tipicamente masculina, porém desta vez homossexual e inseguro, em cenas explícitas de sexo com outro homem pelo visto é demais pra cabeça de muita gente.

  Para qualquer ator, deve ser complicado prender-se a um personagem. Wagner Moura não deve nem se dar conta do tanto que seu capitão Nascimento está implementado na cabeça das pessoas. Porém, convenhamos que rejeitar um personagem diferente daquele pelo qual o ator é consagrado é imaturo e infantil. Ainda mais quando defendido com tanta competência como no caso de Wagner em "Praia do Futuro". A atitude do ator, inclusive, remonta a um outro filme, este internacional, cujo protagonista também tenta se desvencilhar de seu eterno personagem, coincidentemente com um novo filme de temática homossexual. Falo de Daniel Radcliffe e do filme "Versos de Um Crime".

  A situação de Radcliffe é ainda mais difícil que a de Wagner Moura. Não importa quantos filmes ele faça, parece que é Harry Potter quem está ali, em outra situação que envolve o mundo bruxo da franquia de oito filmes que o tornou conhecido em todo o mundo. Porém, o ator tem mostrado versatilidade e até um bocado de ousadia em suas tentativas de sair da sombra de Potter.

   Versos de um Crime, como é chamado no Brasil, foi dirigido por John Krokidas e foi baseado na história real de Allen Ginsberg, hoje em dia um dos mais premiados poetas da língua inglesa. O enredo gira em torno da chegada de Ginsberg à Universidade de Columbia e de sua insatisfação com a poesia tradicional ensinada no lugar. A válvula de escape para isso, Allen encontra quando conhece Lucien Carr, vivido por Dane DeHaan (que você conhece por Novo Harry Osbourne do Novo Homem Aranha). A vontade de inovar o gênero poético e a relação de cumplicidade entre esses dois personagens vai se tornando algo mais forte, pelo menos por parte do personagem de Radcliffe.

  Aqui, novamente, a relação amorosa entre eles é pano de fundo de uma trama maior, que acaba envolvendo outros personagens. A narrativa do filme, cheia de reviravoltas e suspense, deixa o filme bem sombrio, muito mais um enredo instigante do que a demonstração de um amor gay.

  Não dá pra dizer que a escolha dos dois protagonistas populares entre o público jovem não foi proposital e com a intenção de provocar polêmica e gerar assunto. As fãs eternamente apaixonadas por Harry Potter tomarão um baita choque com esse filme, ao vê-lo em situações tão, ah, diferentes e não vividas pelo bruxo. É a prova final de que Potter não existe mais. Muita competência e trabalho bem feito pelo ator, que comprova versatilidade, apesar de ainda ser difícil olhar pra ele e não ver a cicatriz em forma de raio de quem cresceu vendo os filmes de Harry Potter.

  

  As polêmicas geradas pelos filmes "Praia do Futuro" e "Versos de Um Crime" são maiores do que o fato de seus personagens serem gays. É evidente que eles estão vivendo personagens que não lembrem em nada os papéis que os consagraram, e o público deve também seguir em frente. Ambos são bons atores e os filmes são interessantes e bens construídos, cada um à sua maneira. Quanto ao homossexualismo, no cinema ou na vida, não ganhamos nada rejeitando ou sendo contra. Quem saiu do cinema, perdeu um bom filme, quem é contra na vida, perde um bom tempo.









   


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